sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Palavras





A noite rendia-se à primeira luz da madrugada, que prometia o sol nascente. Atravessei o quarto, revisitando as brasas que ardiam ainda na lareira, predestinadas à extinção. Cuidadosamente, pressionei o trinco e espreitei o corredor. As velas estavam ainda acesas e o silêncio estrangulava o frio húmido que se fazia sentir. Pé ante pé, fui deslizando pelo amplo corredor forrado a tecido amarelo torrado, de porta em porta, na esperança de que permanecessem fechadas até que eu desaparecesse. Desci as escadarias de pedra e dirigi-me ao corredor que dava para os fundos da casa. Passei em frente à cozinha. O fogão de lenha funcionava já, assim como o preparo do farto repasto do senhor meu pai. À primeira perceção de ruído nos fundos do corredor, esquivei-me para a reentrância de acesso à dispensa, recolhendo sofregamente a capa que teimava em expor-se. No meu súbito esconderijo, ponderei a minha fuga. Breve sim, mas necessária, pois ouviria da sua boca o que me disseram os seus olhos.
Finalmente pude escapulir-me para o frio ar da madrugada. Junto às arcadas, acelarei o passo até ao estábulo. Sustendo a respiração e tentando controlar o coração que me saltava do peito, encaminhei o meu cavalo até à saída norte. Lancei-me numa corrida endiabrada bosque afora, em direção ao velho carvalho centenário, como se disso dependesse a minha vida.
E lá estava, a metade de mim que sabia existir e o sentimento que as palavras não poderiam jamais traduzir.

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