quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Beleza Natural

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06h30. Levanto-me arrastada até ao quarto de banho. O primeio xixi da manhã seguido do grande confronto com o meu pior inimigo – o espelho. Ah sim! E quanto maior, maior o drama. Pior do que esse, só mesmo o de aumentar! Uma cabeleira que não reconhecemos (quando me deitei isto não estava assim!). Os olhos...semicerrados, claro, como que a medo de uma análise mais pormenorizada. Mas não é preciso ir muito longe. Lá estão. As minhas janelas para o mundo, e todos os seus elementos decorativos naturais. Os meus queridos papos - grandes dunas de areia neste rosto imaculado, que se exibem com grande orgulho, companheiros fiéis de umas olheiras pronunciadas, persistentemente instaladas do tipo “é tudo nosso”. Aproximo-me um bocadinho mais do espelho... mais um bocadinho. De facto... não nasceu mais nenhum cílio para engrossar o total de 3 que tenho na pálpebra inferior. Que pena! Aliás o número total de ralos pelos, é mais esse o termo, que estes meus belos olhos originalmente castanhos reúnem, nem deve ser referido. É demasiado deprimente. Bom, passo à frente mas não me detenho em mais pormenores. Concluo que não vale a pena. Mais vale fazer uma apreciação geral e não dramatizar. A minha pele de porcelana, lisa e imaculada, continua afinal a não querer aparecer. Pálida que nem uma múmia, ignoro as minúsculas erupções (chamemos-lhes assim) que decoram esta visão maravilhosa do paraíso, logo pela manhã! Passemos então ao disfarce. Sim, porque há que disfaçar as imperfeições! Hoje até me apetece! A maior parte das vezes, vai uma limpeza, um cremezito e siga, porque não há nada como a “beleza” natural. Mas hoje não. Hoje não quero estar natural, o meu espírito não aguenta! Pois, porque ainda me lembro do comentário de uma amiga com quem fui almoçar ontem “então, mas tu agora não te pintas!” Do género “como consegues sair de casa com a beleza que Deus te deu e partilhar com o mundo como Ele (Deus claro!) foi generoso!”. Não interessa e que Deus me perdoe! Então, continuemos. Lá vai um bocado de base, um eye-liner (termo comercialmente instituído), uma máscara nos tais ditos cílios solitários e hoje, porque é hoje, um baton vermelho paixão! Olho-me novamente com atenção ao espelho. Nada mau. Está melhor, acho eu! Sigo para a cozinha. O meu rapaz já vai na gestão dos pequenos almoços do pessoal. Olha-me e diz “epá, não gosto nada quando te pintas!”


....BAHHHH...desisto!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Os que nunca acertam





O José Vítor Malheiros quando escreveu o seu texto “Na fila do supermercado” publicado no jornal Público a 3 de Julho de 2012, não desenvolveu nas suas considerações o desespero dos “que nunca acertam”. Sim porque os há! Eu, por exemplo. Sou mãe de família e preciso de me ver livre das compras da semana o mais rapidamente possível, por isso mesmo tal como o José Malheiros, faço a minha escolha de fila de acordo com os tais critérios consabidos, mas NUNCA ACERTO! Faço muito raramente parte do grupo família porque por norma a deixo em casa (é mais rápido!) e mais frequentemente, faço sim parte do grupo dos do carrinho a abarrotar! E não balbuceio qualquer coisa ininteligível, depois de concluir que nunca acerto na fila mais despachada. Faço sim uma espécie de monólogo interior, uma espécie de mumbling sem som, à semelhança da personagem Muttley em “Dick Dastardly & Muttley In Their Flying Machines” e amaldiçoo-me literalmente pela minha falta de sorte. Enfrento pois o tal senhor do restaurante mas que tem mais um carrinho não sei onde, que desencanta à última da hora vindo dos confins do inferno; a senhora que tinha meia dúzia de coisas e se esqueceu do pacote de pensos diários; o senhor solteiro que apenas leva umas coisitas e resolve esclarecer o preço de uma espuma de barbear em promoção; a avó que embora reuna meia dúzia de coisas na mão e que aparenta despacho, resolve trocar a peça de roupa que leva para o neto e a “caixa” não consegue que ninguém a atenda no departamento do vestuário.

A verdade é que por mais calculos, deduções ou análises que faça, acabo sempre por enfrentar um embróglio qualquer e para meu azar escolher a fila errada. Todavia consolo-me com uma mesquinha, mas inofensiva sensação de vingança. Embora me possa incluir de facto no grupo dos perigosos, porque o meu carrinho vai sempre a abarrotar ou porque de quando em vez faço parte do grupo família, depois de muitas vezes ter ganho raízes profundas, tal qual carvalho centenário na fila da caixa, tenho a certeza de que defraudei as expectativas do intuitivo da fila ao lado, que concluiu...”Homessa...e não é que aquela era despachada!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Palavras





A noite rendia-se à primeira luz da madrugada, que prometia o sol nascente. Atravessei o quarto, revisitando as brasas que ardiam ainda na lareira, predestinadas à extinção. Cuidadosamente, pressionei o trinco e espreitei o corredor. As velas estavam ainda acesas e o silêncio estrangulava o frio húmido que se fazia sentir. Pé ante pé, fui deslizando pelo amplo corredor forrado a tecido amarelo torrado, de porta em porta, na esperança de que permanecessem fechadas até que eu desaparecesse. Desci as escadarias de pedra e dirigi-me ao corredor que dava para os fundos da casa. Passei em frente à cozinha. O fogão de lenha funcionava já, assim como o preparo do farto repasto do senhor meu pai. À primeira perceção de ruído nos fundos do corredor, esquivei-me para a reentrância de acesso à dispensa, recolhendo sofregamente a capa que teimava em expor-se. No meu súbito esconderijo, ponderei a minha fuga. Breve sim, mas necessária, pois ouviria da sua boca o que me disseram os seus olhos.
Finalmente pude escapulir-me para o frio ar da madrugada. Junto às arcadas, acelarei o passo até ao estábulo. Sustendo a respiração e tentando controlar o coração que me saltava do peito, encaminhei o meu cavalo até à saída norte. Lancei-me numa corrida endiabrada bosque afora, em direção ao velho carvalho centenário, como se disso dependesse a minha vida.
E lá estava, a metade de mim que sabia existir e o sentimento que as palavras não poderiam jamais traduzir.

Gesto




Encontrei dentro mim o meu lado humano. O que reconhece o desespero, a desigualdade, o direito de tratamento sem contrapartidas, tal qual o médico de província que sem alqueire de farinha, assiste o filho do pobre. Com um gesto, mudo e prefiro o banco de madeira ao cadeirão.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Outros mundos





Entrei na livraria por entrar. Uma passeata para distrair a mente. Espreitar títulos, tatear espessuras, visitar sinopses e rever o cheiro dos livros empilhados uns sobre os outros. Pensei eu, que tinha entrado só ou apenas comigo mesma. O meu olhar percorreu sem distinção as várias prateleiras, a mistura de cores e letras, num alheamento não intencional. Acho que sorria. Apenas pelo prazer de estar, apenas pelo prazer de não sentir os minutos passarem e não ter de verbalizar coisa nenhuma, convidada a visitar um mundo, cheio de pequenos outros mundos que existiram na imaginação ou na vida de alguém. Na verdade não entrei, nem saí só. Alguém disse que aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Talvez uma parvoice...




Recosto-me e inspiro fundo. Da minha janela a paisagem é magnífica. Consigo ver grande parte do coração verde da cidade. O céu está fabuloso. Pudesse eu pintar! Tons de branco e cinzento numa trama de algodão esculpida a preceito. Quase um mar invertido. Faz-me lembrar o sentimento generalizado que os filhos de Portugal vivem nos dias de hoje. Como se o país tivesse dado uma volta e se visse espelhado ao contrário. Uma nova versão virada do avesso. Uma realidade diferente a que nos teremos de habituar, calculo. Pergunto-me quando conseguiremos tornar a ver este Portugal na perspectiva que ele merece. Sim, uma qualquer outra que lhe faça jus, porque jamais voltará a ser o mesmo. Nem nós seremos os mesmos. Conseguiremos nós ter capacidade para esperar dias melhores, para lutar por dias melhores. Saberemos nós adaptarmo-nos e começar a fazer omeletas sem ovos, usando e abusando da criatividade. Quem nos representa, recordará quem fomos, quem somos ou o que esperamos?

Não sei de nada, nem tenho respostas. Mas tenho alguma esperança e sei que o céu, hoje branco e cinzento, amanhã será azul e também sei que os olhos que o vêm hoje não serão os mesmos de amanhã.

Insónia

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234...235...262...289, foram os carneirinhos brancos que me cansei de contar, um atrás do outro, no intervalo dos reflexos de luz que penetravam na minha janela, com o à vontade de quem chega a casa.
Dei por mim a ansiar várias vezes o canto do galo sobre a madrugada, como fazia na minha infância, no quartinho da casa para a qual os meus pais me arrastavam sucessivamente todos os fins de semana.
Soergui-me e com o despontar da luz das primeiras horas, libertei-me do emaranhado de tecido que me cobria, abandonando os meus pés ao choque frio do soalho. Tinha de sentir o ar da manhã que nascera.
Bati a porta de casa e mergulhei nas pedras da calçada desta Rua Anchieta que não consigo abandonar. Cheguei até meio e sentei-me como habitualmente na pedra manchada do nº 15. Este é o único lugar onde a minha rua respira na sua verticalidade. O prédio do lado oposto é mais baixo que os demais, deixando-nos vislumbrar a torre da basílica e mais azul do céu. Gosto de me sentar ali, à espera que o sino toque, a admirar a simetria dos edifícios, uns rejuvenescidos, outro esquecidos, uns de cores alegres, outros de cores gastas e azulejos antigos, que exibem cansados as mazelas do tempo, um pouco como noites mal dormidas.
- Olá –diz-me o meu pequeno vizinho de saída para a escola.
- Olá Tomás, bem disposto? – perguntei
- Sim, o que estás aqui a fazer outra vez? – perguntou-me.
- Oh Tomás, já sabes, vim só respirar um bocadinho – disse-lhe esboçando um sorriso.
- Olha sabes uma coisa, já sei contar até 100!
- Que bom Tomás! Isso é fantástico e sabes que mais, vou contar-te um segredo. Vais descobrir que existem muitos mais números e vais conhecê-los como a palma das tuas mãos!


Coriscos



Paralisei.
Tão perto e ainda assim tão longe.
Pasmo perante o sorriso que se curva na celebração da alegria que lhe transparece no olhar.
No meu alheamento, imagino que o meu braço se anima, que lhe toco a pele e que a centelha desse toque rasga finalmente a cobardia das palavras por dizer.