segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O legado


i believe in yesterday  | via Tumblr
Hoje sinto-me especialmente estranha. Parece que tenho um oceano de lágrimas por derramar, que quedam à espera do mais leve trejeito, para saltar vertiginosamente cá para fora. Tem dias assim, em que me sinto sensível, frágil e furiosa. Normalmente deparo-me com este estado nevrálgico quando sinto a obrigação de ajudar alguém. Tem graça, hoje até compreendo a reação dos meus pais quando me recriminam as amizades, uma vez que eles próprios não têm amigos. Sim, têm amigos, mas daqueles que nos visitam ou que são visitados para beber um copo, e que fingem distração quando a vida azeda os dias dos outros, ou deveres inadiáveis ou impossibilidades que castram qualquer gesto voluntário de ajuda. Porque incomoda, porque não dá jeito, porque transtorna. Ainda assim, embora compreenda, sinto revolta, sobretudo quando me fazem sentir mal por não me importar de me sentir transtornada, por não me importar de ver interrompida a rotina dos meus dias. Sim, dizem-me eles, porque outro tinha a obrigação e não eu. Pergunto-me depois para mim mesma, que tenho eu a ver com a obrigação dos outros? Não tenho maior obrigação em ouvir o que me diz o meu próprio coração. Não, não sou como a minha mãe, que religiosamente ouve a palavra do Senhor aos domingos e que durante os seus dias úteis lê as suas orações. Não recrimino. Acho até bem. Mas eu, eu sou eu e sinto diferente. Não vou à missa, não mando os meus filhos à catequese, nem os educo a aprender as orações instituídas. Mas sinto o turbilhão dentro de mim. A palavra que grita ensurdecedora, que devo ajudar o próximo, mesmo quando isso me incomoda ou me prejudica. Conta o meu pai que a minha bisavó fazia todas as semanas uma fornada de pão para matar a fome a quem a tinha. Identifico-me, acho eu, muito mais com ela do que com os meus pais. Pergunto-me se ela rezaria, como eu, tratando o Deus em que acredito, por tu e se arrastaria o marido para as obrigações que o seu coração mandava? E se aquele se deixaria arrastar, como o meu.
Em todo o caso, fico furiosa por ainda escutar as recriminações da minha mãe. Depois choro. Depois, ainda assim, faço o que acho que devo e sinto uma felicidade e uma alegria dentro de mim, um alívio tão poderoso que me deixa o coração tão leve como uma pena. E fica uma sensação de dever cumprido, de contribuição genuína que me faz ter a certeza de que este é o melhor caminho para continuar até morrer à procura de ser uma pessoa melhor. Sei hoje, que este será o melhor legado que poderei deixar aos meus filhos. Que aprendam depois por eles a escutar e a sussurrar as suas próprias orações. 

Sem comentários:

Enviar um comentário